Meu fogo
Eram seis horas da manhã e ele já estava ali, me encarando. Eu não sabia por que, de todas as paixões, essa era a que mais me tornei dependente e submissa. Eu não tinha esse costume. A música que tocava na rádio ecoava dentro do nosso quarto, ilustrando aquele amor doentio. “É tão certo quanto o calor do fogo, eu já não tenho escolha e participo do seu jogo, eu participo...”.
O cheiro que ele exalava, logo no começo do dia, me dava imenso prazer. Não sei por que motivo minha filha o odiava. Chegava até a dizer que fazia mal a mim, ao meu pobre coração. “Ele não lhe deixa respirar”, repetia. Mas eu nunca liguei muito pra isso... Eu sabia o que era melhor pra minha vida. O sabor único daquela boca e o calor que sinto quando em sua companhia trazem um efeito relaxante imediato, que me supre em todos os sentidos. Nunca conseguirei largá-lo.
Quando chego em casa, depois das dez, cansada e carente, só penso em vê-lo outra vez. Ele é vício, é carma, é mau. E é tudo isso que me fascina. O proibido me atrai, me corrói. A única coisa que afasta é saber que outras mulheres morreram cedo por sua causa, acredito que de amor. Se for realmente por este motivo, morrerei feliz.
Tenho 39 anos e convivo com ele há mais de 20. Críticas já recebi, avisos também. E se passei tanto tempo assim, ainda hei de passar mais... até que me consuma totalmente. Aquela pele fina e branquinha, aquele aroma, aquele beijo. Pura química. Me intoxica e apaixona ao mesmo tempo. Vale a pena degustá-lo até o fim.
Satisfeita, deito em minha cama quente e macia em paz, como todos os dias. Já ele, repousa ali ao meu lado, como sempre, no antigo cinzeiro dos anos 70. Nunca irei abandoná-lo.